16 de outubro de 2009

Falando Direito: Vigência

Pense o seguinte: Você tem uma gatinha (o animal, não a moça gostosa). Linda! Branquinha com detalhes cinza no pêlo macio e sedoso. Olhos azuis, da cor do céu e narizinho perfeito, pequeninho e achatado. Um verdadeiro mimo! Graciosidade pura! Uma Fofura! O nome dela é Mimi.

Certo dia (vamos dizer que hoje mesmo), você dá pela falta de Mimi. “Onde está minha linda gatinha?”, pergunta-se. Começa a procurar e, pela janela, avista-a atravessando a rua em direção a um gato (o animal, não o moço saradão) tão impecavelmente bonito e gracioso quanto Mimi. O nome dele é Dengo.

Centímetros antes de Mimi encontrar seu amado amante Dengo (eles estavam no cio e por isso Mimi fugiu), vem um caminhão a mil por hora e passa por cima da gatinha. “Ploft”! Sobra só o tapete felpudo encardido de sangue e marca de pneu.

Pronto! Supondo que você ganhou a gata de presente de aniversário em outubro de 2000 (bebezinha recém-nascida naquele mesmo mês), neste exato momento podemos dizer que Mimi vigeu até hoje (sim! "vigeu”, do verbo viger e não “viveu” do verbo viver – apesar de também funcionar no contexto).

Isso significa que ela fez tudo o que tinha pra fazer até aquele momento e produziu todos os resultados que podia produzir: cavou a caixa de cocô e derrubou tudo no chão, arranhou todo o sofá, ronronou no seu colo e te fez sorrir, entrou na geladeira e comeu o salmão que era para o almoço de domingo com os amigos, desfiou o terno do vovô, derrubou o pato de cristal que foi presente da sogrona... Dali em diante não vai fazer mais nada. Acabou. Cest fini! “Caput”! The end!

Em outras palavras, Mimi teve vigência de outubro de 2000 até agora, período no qual produziu todos os efeitos possíveis no mundo real. Considerando que você está lendo este texto em outubro de 2009, a bichana vigeu 9 anos. (Se for depois, por favor, faça as contas).

Com os pactos (contratos, convênios, termos, acordos e afins) é a mesma coisa. Assim como Mimi possuem vigência, que é o período no qual a avença produz efeitos hábeis no mundo jurídico. Ou melhor, DEVEM possuir (porque tem uns manés que conseguem se esquecer disso). Entenda-se: trata-se de cláusula obrigatória, mesmo que seja para assentar que a vigência é por tempo indeterminado.

Uma vez atingido o seu termo, cessa, de imediato, a produção de qualquer efeito pelo cumprimento de uma condição resolutiva (o prazo), mantendo-se válidos aqueles produzidos quando da vida do pacto (o sofá vai continuar arranhado e o terno do vovô desfiado mesmo com Mimi morta). Tudo bem que no caso da gata foi uma condição resolutiva superveniente, imprevisível e por motivo de força maior – o cio e o caminhão que eram mais fortes do que a pobre da gata.

Assim, posso dizer, grosso modo, que a vigência é a vida do contrato. Quando chega a data estabelecida para o seu término ele morre e ponto final. É extinto por completo e, por conseguinte, cessam-se seus efeitos a resguardam-se os já produzidos.

A única coisa que pode complicar um pouquinho quando se tratam de avenças é que o decurso da vigência é apenas UM dos mecanismos hábeis para extingui-las. Existem ainda a quitação, revogação, rescisão, cessação, nulidade e/ou anulabilidade.

Quer dizer... Se bem que no caso da Mimi eu poderia defender que existiriam outras formas de pôr fim da bichinha (afogamento, forno microondas, salto da janela sem páraquedas...). Mas não vou dizer não. Desconfio que já tem um monte de amantes/simpatizantes de gatos tentando descobrir qual é o meu endereço... Mas ainda que existentes, eles não constam de um rol exaustivo como ocorre com os contratos. Pense assim para decorar, "ó": para matar gatos, o céu é o limite! Para matar contratos não.

Agora o legal é o seguinte: como estamos tratando de extinção de alguma coisa, basta ocorrer UMA causa de extinção para terminar a coisa por completo, certo? Logo, se uma das possíveis se concretizou, não há que se levantar a hipótese de ter sido outra (a não ser que seja caso de nulidade/anulabilidade, mas não vamos complicar!), afinal, a coisa não existe mais, certo?

Então para quê diabos perguntar se é possível rescindir um contrato que teve sua vigência terminada??

Dizem que quem responde uma pergunta com outra pergunta é um perfeito idiota. Bom, neste caso, serei um idiota: Para “cessar os efeitos” da gatinha atropelada, você pode (é eficiente?) pegar o "tapete felpudo encardido de sangue e marca de pneu" e jogar pela janela do 23º andar?

A merda do contrato morreu!!! (Note a intercambialidade dos vernáculos! Ali você também pode ler gato no lugar de contrato). O que mais tem de ser explicado?

Agora, com licença, que vou brincar com o meu gato!


PS – A SMM – Sociedade Miau Miau – informa: Nenhum animal foi maltratado ou ferido durante a produção deste texto. (Espero...)

5 comentários:

  1. "Mimi teve vigência de outubro" foi a coisa mais juridiquês que ouvi na vida.

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  2. Desculpa, na verdade COMPARAR a morte de uma gata com um contrato foi a coisa mais juridiquês que alguém poderia fazer numa sexta-feira. Nem um despacho favorável de um juiz para uma prisão de um cara por não pagar a pensão alimentícia seria tão juridiquês assim.

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  3. Sexta-feira muito produtiiiva! rs!
    A comparação caiu bem! Um tanto quanto didático, apesar do triste fim da gatinha! rs! =)
    Gostei bastante!

    =)

    Beijo,Lindo!

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  4. Opinião de mãe não vale, mas assim até eu aprendo juridiquês.Muito legal.
    Mamy

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  5. Eu sei de onde vc se inspirou pra escrever esse texto.
    O Jaspion luta contra atos de extinção da humanidade e tem uma gata chamada Mia, que ele salvou da morte. Ele também tinha o Daileon que voa a mil por hora e que parecia o Lider Optimus que é um caminhão! E para quem tem Daileon o céu é o chão!
    Hipótese erteza da intercambialidade entre a forma humana e o Daileon porque é cláusula obrigatória para fazer morrer a merda contra tal ele está lutando.
    E o Jaspion vigeu até os meus 9 anos, a partir de quando ele não existiu mais,
    http://sadaobonjovi.vilabol.uol.com.br/jaspion.htm

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