14 de outubro de 2009

60 - 10 = 50


"O Sertão vai virar mar. O mar vai virar Sertão."

Infelizmente, o assunto não é tão poético quanto a obra de Moacir Scliar.

Hoje ouvi no rádio que a partir de 2011 parte do abastecimento de água de Brasília virá do Lago Paranoá.



Obviamente fiquei de cabelos em pé e descontente por completo com a notícia. Os motivos para o descontentamento são diverso e, por enquanto, não vou me aprofundar no mérito. Parece óbvia (mas não razoável) a medida, já que a estação de Águas Emendadas, o Manancial do Torto e complexo do Descoberto (para não falar dos lençóis freáticos perto de Sobradinho) estão completamente comprometidos com esse crescimento desenfreado da Capital.

Não é de se estranhar que a tímida reserva que tínhamos não será suficiente para abastecer 5 (no mínimo) novos bairros/quadras/setores habitacionais. Sem falar no tanto de obras predatórias (mas também não vou dizer nada acerca disto - a indignação é tanta que chega a ser difícil organizar as ideias) que destroem a capacidade regenerativa do ciclo da água (lembram disso das aulas de Biologia?).

Ao invés de tudo isso vou contar uma historinha:

Há um tempinho (talvez pouco mais de 10 anos), durante uma aula de Geografia no Colégio Militar, estudando justamente a rede hidrográfica do DF, estava com o livro aberto na mesa e as 3 principais fontes abastecedoras circuladas.

(À época já se falava em crescimento desenfreado e problemas de qualidade de vida. Imagine-se agora! Detalhe: falo como se parecesse uma eternidade, né? Pois bem. Para mim parece.)

Voltando... 3 principais complexos de abastecimento. Levantei a mão e afirmei (talvez essa tenha sido uma das afirmações mais incisivas que fiz em toda época de estudante - mais até do que quando na faculdade):

- Professor, com esse crescimento todo Brasília vai virar um deserto. Quer dizer, PODE virar. Mas é uma probabilidade muito, muito grande! Ela não pára de crescer, não foi concebida para esse tanto de gente, e o governo atual não pára com a política expansionista (e duvido que os demais mudem isso - é o que dá voto)!! Logo, é mera questão de tempo para o raio dela atingir os mananciais. Uma vez que isso ocorrer, não teremos de onde tirar água. Vai virar uma cena meio que apocaliptica - uma cidade fantasma, deserta, como nos filmes. A Capital prometida do Juscelino vai ter de migrar, tal como os emigrantes que para cá vem, daqui terá de sair. Se continuar como está, dou 50 anos. 60, no máximo, para isso acontecer.

É claro que um monte de gente riu. E não tem problema! Eu era mestre em rir dos comentários bestas dos outros. (Mestre em sugerir que quem tivesse atrapalhando a aula fosse retirado de sala também - inclusive eu, verdade seja dita, quando a aula não me interessava eu saía para não trapalhar os demais. Mas isso fica para outra postagem).

O professor respondeu que era uma possibilidade muito remota. Não era trágico assim como eu estava colocando. Havia como remediar, etc.

Pois bem. Passaram-se 10 anos e cidade continua a crescer (e se houvesse interesse teria como impedir isso). Neste meio período, o governo e governantes ficaram silentes quanto às fontes abastecedoras de água da cidade o tempo todo. Hoje ouço que recorrerão ao Lago Paranoá para abastecimento. Acredito que se o fazem é porque não tem outra alternativa (lembram do livro de Geografia que comentei ali em cima, né?). A que vamos recorer depois?

Então, se a medida de recorrer ao Lago acontece agora, 10 anos depois da "previsão esdrúxula", pensemos o seguinte: na melhor das hipóteses 60 - 10 = 50. Na pior, 50 - 10 = 40. Sim. 50 ou 40 anos e nada mais de água para nós, candangos.

E aí, tem alguém rindo agora?

2 comentários:

  1. Disse tudo: a indignação é tanta que não dá para organizar as ideias direito! =p
    Se tivessem te ouvido há 10 anos atrás talvez não precisassem recorrer ao lago Paranoá!
    Não tenho certeza de que essa seja mesmo a última alternativa...talvez sim, talvez não... Difícil saber se realmente é preciso fazer isso com tanta jogada política por aí! É de entristecer! No fim, só aceitamos...

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  2. Que é isso, linda! Seria muita pretensão minha achar que o comentário pudesse repercutir de tal forma. =) Ainda mais considerando que ficou entre as quatro paredes de uma sala de aula. (E mesmo que tivesse saído, acho que nenhuma diferença iria fazer).

    O que é triste é que trata-se de uma conclusão bem óbvia e até hoje forçam por ignorar. =(

    Sei lá... Ainda acho que daqui uns 50 anos nós estaremos fazendo as malas para nos mudar para outra cidade. (E por nós eu dizer grande parte da população de Brasília).

    PS - Sei que posso estou sendo extremista na questão. O simples argumento de "olhar para São Paulo" seria suficiente para derrubar todo o meu texto. O ponto é: vale o preço que vamos pagar?

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