31 de outubro de 2009

Falando pelos cotovelos

Quem fala o que quer, ouve o que não quer.

O curioso é que quem fala para o outro ouvir (outro = quem falou o que queria) também está falando o que quer. Portanto, a regra também se aplica a ele, que, logo logo ouvirá o que não quer.

Ok. Beleza.

E quem perguntou?

16 de outubro de 2009

Falando Direito: Vigência

Pense o seguinte: Você tem uma gatinha (o animal, não a moça gostosa). Linda! Branquinha com detalhes cinza no pêlo macio e sedoso. Olhos azuis, da cor do céu e narizinho perfeito, pequeninho e achatado. Um verdadeiro mimo! Graciosidade pura! Uma Fofura! O nome dela é Mimi.

Certo dia (vamos dizer que hoje mesmo), você dá pela falta de Mimi. “Onde está minha linda gatinha?”, pergunta-se. Começa a procurar e, pela janela, avista-a atravessando a rua em direção a um gato (o animal, não o moço saradão) tão impecavelmente bonito e gracioso quanto Mimi. O nome dele é Dengo.

Centímetros antes de Mimi encontrar seu amado amante Dengo (eles estavam no cio e por isso Mimi fugiu), vem um caminhão a mil por hora e passa por cima da gatinha. “Ploft”! Sobra só o tapete felpudo encardido de sangue e marca de pneu.

Pronto! Supondo que você ganhou a gata de presente de aniversário em outubro de 2000 (bebezinha recém-nascida naquele mesmo mês), neste exato momento podemos dizer que Mimi vigeu até hoje (sim! "vigeu”, do verbo viger e não “viveu” do verbo viver – apesar de também funcionar no contexto).

Isso significa que ela fez tudo o que tinha pra fazer até aquele momento e produziu todos os resultados que podia produzir: cavou a caixa de cocô e derrubou tudo no chão, arranhou todo o sofá, ronronou no seu colo e te fez sorrir, entrou na geladeira e comeu o salmão que era para o almoço de domingo com os amigos, desfiou o terno do vovô, derrubou o pato de cristal que foi presente da sogrona... Dali em diante não vai fazer mais nada. Acabou. Cest fini! “Caput”! The end!

Em outras palavras, Mimi teve vigência de outubro de 2000 até agora, período no qual produziu todos os efeitos possíveis no mundo real. Considerando que você está lendo este texto em outubro de 2009, a bichana vigeu 9 anos. (Se for depois, por favor, faça as contas).

Com os pactos (contratos, convênios, termos, acordos e afins) é a mesma coisa. Assim como Mimi possuem vigência, que é o período no qual a avença produz efeitos hábeis no mundo jurídico. Ou melhor, DEVEM possuir (porque tem uns manés que conseguem se esquecer disso). Entenda-se: trata-se de cláusula obrigatória, mesmo que seja para assentar que a vigência é por tempo indeterminado.

Uma vez atingido o seu termo, cessa, de imediato, a produção de qualquer efeito pelo cumprimento de uma condição resolutiva (o prazo), mantendo-se válidos aqueles produzidos quando da vida do pacto (o sofá vai continuar arranhado e o terno do vovô desfiado mesmo com Mimi morta). Tudo bem que no caso da gata foi uma condição resolutiva superveniente, imprevisível e por motivo de força maior – o cio e o caminhão que eram mais fortes do que a pobre da gata.

Assim, posso dizer, grosso modo, que a vigência é a vida do contrato. Quando chega a data estabelecida para o seu término ele morre e ponto final. É extinto por completo e, por conseguinte, cessam-se seus efeitos a resguardam-se os já produzidos.

A única coisa que pode complicar um pouquinho quando se tratam de avenças é que o decurso da vigência é apenas UM dos mecanismos hábeis para extingui-las. Existem ainda a quitação, revogação, rescisão, cessação, nulidade e/ou anulabilidade.

Quer dizer... Se bem que no caso da Mimi eu poderia defender que existiriam outras formas de pôr fim da bichinha (afogamento, forno microondas, salto da janela sem páraquedas...). Mas não vou dizer não. Desconfio que já tem um monte de amantes/simpatizantes de gatos tentando descobrir qual é o meu endereço... Mas ainda que existentes, eles não constam de um rol exaustivo como ocorre com os contratos. Pense assim para decorar, "ó": para matar gatos, o céu é o limite! Para matar contratos não.

Agora o legal é o seguinte: como estamos tratando de extinção de alguma coisa, basta ocorrer UMA causa de extinção para terminar a coisa por completo, certo? Logo, se uma das possíveis se concretizou, não há que se levantar a hipótese de ter sido outra (a não ser que seja caso de nulidade/anulabilidade, mas não vamos complicar!), afinal, a coisa não existe mais, certo?

Então para quê diabos perguntar se é possível rescindir um contrato que teve sua vigência terminada??

Dizem que quem responde uma pergunta com outra pergunta é um perfeito idiota. Bom, neste caso, serei um idiota: Para “cessar os efeitos” da gatinha atropelada, você pode (é eficiente?) pegar o "tapete felpudo encardido de sangue e marca de pneu" e jogar pela janela do 23º andar?

A merda do contrato morreu!!! (Note a intercambialidade dos vernáculos! Ali você também pode ler gato no lugar de contrato). O que mais tem de ser explicado?

Agora, com licença, que vou brincar com o meu gato!


PS – A SMM – Sociedade Miau Miau – informa: Nenhum animal foi maltratado ou ferido durante a produção deste texto. (Espero...)

14 de outubro de 2009

60 - 10 = 50


"O Sertão vai virar mar. O mar vai virar Sertão."

Infelizmente, o assunto não é tão poético quanto a obra de Moacir Scliar.

Hoje ouvi no rádio que a partir de 2011 parte do abastecimento de água de Brasília virá do Lago Paranoá.



Obviamente fiquei de cabelos em pé e descontente por completo com a notícia. Os motivos para o descontentamento são diverso e, por enquanto, não vou me aprofundar no mérito. Parece óbvia (mas não razoável) a medida, já que a estação de Águas Emendadas, o Manancial do Torto e complexo do Descoberto (para não falar dos lençóis freáticos perto de Sobradinho) estão completamente comprometidos com esse crescimento desenfreado da Capital.

Não é de se estranhar que a tímida reserva que tínhamos não será suficiente para abastecer 5 (no mínimo) novos bairros/quadras/setores habitacionais. Sem falar no tanto de obras predatórias (mas também não vou dizer nada acerca disto - a indignação é tanta que chega a ser difícil organizar as ideias) que destroem a capacidade regenerativa do ciclo da água (lembram disso das aulas de Biologia?).

Ao invés de tudo isso vou contar uma historinha:

Há um tempinho (talvez pouco mais de 10 anos), durante uma aula de Geografia no Colégio Militar, estudando justamente a rede hidrográfica do DF, estava com o livro aberto na mesa e as 3 principais fontes abastecedoras circuladas.

(À época já se falava em crescimento desenfreado e problemas de qualidade de vida. Imagine-se agora! Detalhe: falo como se parecesse uma eternidade, né? Pois bem. Para mim parece.)

Voltando... 3 principais complexos de abastecimento. Levantei a mão e afirmei (talvez essa tenha sido uma das afirmações mais incisivas que fiz em toda época de estudante - mais até do que quando na faculdade):

- Professor, com esse crescimento todo Brasília vai virar um deserto. Quer dizer, PODE virar. Mas é uma probabilidade muito, muito grande! Ela não pára de crescer, não foi concebida para esse tanto de gente, e o governo atual não pára com a política expansionista (e duvido que os demais mudem isso - é o que dá voto)!! Logo, é mera questão de tempo para o raio dela atingir os mananciais. Uma vez que isso ocorrer, não teremos de onde tirar água. Vai virar uma cena meio que apocaliptica - uma cidade fantasma, deserta, como nos filmes. A Capital prometida do Juscelino vai ter de migrar, tal como os emigrantes que para cá vem, daqui terá de sair. Se continuar como está, dou 50 anos. 60, no máximo, para isso acontecer.

É claro que um monte de gente riu. E não tem problema! Eu era mestre em rir dos comentários bestas dos outros. (Mestre em sugerir que quem tivesse atrapalhando a aula fosse retirado de sala também - inclusive eu, verdade seja dita, quando a aula não me interessava eu saía para não trapalhar os demais. Mas isso fica para outra postagem).

O professor respondeu que era uma possibilidade muito remota. Não era trágico assim como eu estava colocando. Havia como remediar, etc.

Pois bem. Passaram-se 10 anos e cidade continua a crescer (e se houvesse interesse teria como impedir isso). Neste meio período, o governo e governantes ficaram silentes quanto às fontes abastecedoras de água da cidade o tempo todo. Hoje ouço que recorrerão ao Lago Paranoá para abastecimento. Acredito que se o fazem é porque não tem outra alternativa (lembram do livro de Geografia que comentei ali em cima, né?). A que vamos recorer depois?

Então, se a medida de recorrer ao Lago acontece agora, 10 anos depois da "previsão esdrúxula", pensemos o seguinte: na melhor das hipóteses 60 - 10 = 50. Na pior, 50 - 10 = 40. Sim. 50 ou 40 anos e nada mais de água para nós, candangos.

E aí, tem alguém rindo agora?

Laura disse 5

Saindo de Águas Claras. Chuva torrencial, bocas-de-lobo entupidas e bueiros transbordando.

- Nossa, que cheiro horrível!!! Deve ser o Lago [Paranoá]...

???