30 de junho de 2009

HONEST GEEKS (Nerds Honestos)

HONEST GEEKS (Nerds Honestos)

Hoje eu li um tópico muito interessante em um site que acompanho diariamente. A pessoa questionava, em tom quase que de indignação, se era possível (ou viável) patentear um projeto de jogo de tabuleiro aqui no Brasil. A reclamação não foi infundada: o cara já tinha enfrentado 4 ou 5 tentativas frustradas.

Do ponto de vista jurídico, tenho a vergonha de assumir que não sei a resposta. E pelo jeito o resto do pessoal no fórum estava meio enrolado com ela também. Mas esse não é o caso. O que me chamou a atenção foi a resposta de um dos participantes que, em suma, reportando às palavras de um renomado italiano, famoso designer de games, asseverou que essa era uma preocupação desnecessária vez que os autores de jogos eram todos “nerds” e, como tais, eram honestos por natureza e sequer cogitariam furtar o conceito de outros designers.

O italiano arrematou, ainda, que nunca havia patenteado nenhum jogo dele.

Bruno Faidutti: "How can I protect my idea and be sure some dishonest game publisher won’t steal it?

Don’t worry. None of the game authors I know ever patent or protects anything, be it name, rule or components. I don’t know if it’s legally possible, and I don’t care. Game publishers are first game geeks, like you and all authors, and therefore honest people. It’s difficult enough to select the few games to publish among the hundreds which are submitted to them every year, it would be time wasting and suicidal to steal an idea and become alienated from the gamers and game authors community. Even worse, if when contacting publishers you tell them that you have patented your rules and trademarked your game name, they’ll think, probably rightfully, that you are paranoid and will rather publish games from other authors with whom relations should be easier."

A primeira coisa que veio à minha cabeça foi um daqueles filmes ameri-lixo, do tipo “A revolta dos nerds” ou “Os nerds contra-atacam” (oi coisa assim), onde a turminha estudiosa e excluída usa do conhecimento para ferrar com os pops e colar nas provas. Mas isso também não vem ao caso. O que vem ao caso foi o que pensei logo depois disso. Algo da “vida real” chamado Math Trade.

Para todos os que não sabem que porra é essa (assim como eu não sabia há 2 semanas) eu explico: é um grande centro de trocas. As pessoas colocam numa lista coisas (jogos no caso - mas pode ser de qualquer coisa) que estão dispostas a trocar e depois colocam uma lista dos jogos listados que gostariam de receber em troca dos que disponibilizaram. Um algoritmo calcula o negócio todo e as pessoas finalizam enviando os sucessos.

Exemplo: Eu tenho um Banco Imobiliário que não quero mais e gostaria de um War por ele. O Paulo tem um War pra trocar e gostaria de um Jogo da Vida. A Vivi tem um Jogo da Vida pra trocar e gostaria de um Banco Imobiliário. O sistema considera tudo isso e, como resultado: Eu recebo o War do Paulo e mando o Banco Imobiliário pra Vivi, que recebe o meu BI e manda o Jogo da Vida pro Paulo. O Paulo recebe o Jogo da Vida da Vivi me manda o War que eu queria. Todos ficam satisfeitos ao final. Tudo isso é calculado pelo algoritmo.

Beleza. A pegadinha é a seguinte: tudo isso é feito em ambiente virtual, sem se ver a cara das pessoas e, claro, sem saber da idoneidade delas. Ah! Os jogos trocados são em sua grande maioria importados e com valores bem superiores ao de um Jogo da Vida.

Pois bem, voltando à “vida real”. Participei de um Math Trade. No saldo total foram quase 600 participantes, cada qual oferecendo, em média, 4 jogos.

Tá, Bruno, mas o que isso tem a ver com os nerds e a honestidades deles? Eu respondo: recebi meus 4 “novos” jogos hoje, assim como os outros quase 600 participantes do esquema. (Sim, estou assumindo que quem troca jogos pela internet é nerd como eu).

Agora o legal de tudo isso é que vejo acontecer, na prática, o que um experiente designer diz acontecer no mercado externo já há um bom tempo. Nerd não quer roubar de nerd e nem de ninguém.

Veja bem: o que impediria um fulaninho de tal que você nunca viu na vida (e provavelmente nunca vai ver) e mora do outro lado o país de simplesmente ignorar todo um sistema, receber os jogos, não mandar nada em contrapartida e sair na vantagem? Não vejo outra resposta que não seja a honestidade.

Acho que o italiano acertou na mosca! E digo mais: precisamos de mais nerds no mundo (e, de quebra, no Congresso Nacional, como chefes de Estado, como delegados, como médicos, professores, policiais...).

PS – Nem preciso dizer que aquela minha primeira percepção é completamente deturpada, né?

2 de junho de 2009

Na toca da loba

Escrevi essa crônica como homenagem ao dia das mães há uns 2 anos, mas nunca tinha publicado. Para esse tipo de coisa, toda hora é hora.


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Onze horas da noite. Reflexo desfocado no espelho e uma dor nas costas insuportável. Não bastasse a face desfigurada pela tonelada de cremes que a dermatologista recomendou (para, quem sabe, aparentar menos materna) ainda tenho de ser surpreendida por um entreolhar pela fresta da porta do banheiro e uma risadinha debochada (Ah, seu eu tivesse certeza que realmente é de deboche!).

- Sai daqui menino!

- Puxa mamãe-traquinas, você rechonchudinha assim é tããão fofa!!! Ainda mais com esse monte de creme “na cara”!! Parece um biscoito de chantily!! Que fominha mamãe! Ei, por falar nisso, tem mais comida?

E é assim que começa meu dia. Sim, meu dia! Não se espante pela aparente incoerência de o meu dia começar no tardar da noite. Quando se passa da versão de motor 4.0 o dia de todas as mães tende a começar na noite do dia anterior. Já que como o motor não tem volta, buscamos compensar na lataria, com uma ajudinha de nossos amigos dermatologistas e laboratórios produtores de pastas cremosas com nomes impronunciáveis.

A manhã seguinte será intransponível sem uma noite de descanso bem aproveitada. (Diga-se de passagem, oportunidade para sonhar com aquele “badboy” de cabelos levemente loiros e oleosos, corpo atlético, olhar de picareta que, apesar de toda a pose de mal-caráter, ainda se preocupa com o bem-estar da bela moçinha que está presa ao seu lado – Isso! Aquele mesmo do seriado em que todos estão perdidos em uma ilha não tão deserta).

Finalmente, deitada, depois de um profundo suspiro, prévia para o relaxamento corporal necessário para o sono, (não sei se é verdade, mas aquele e-mail que circulou no trabalho pareceu bem crível) permito que os olhos pesem e Morfeu se acomode neles.

Eis que o agradável peso de três pacas gordas, prontas para o abate, é sentido em cima das costas, e, mal abro os olhos e o detestável som do amor filial é ouvido num uníssono:

- Êêêêê!!!! Mamãe-traquinas vai dormir!!! Êêêê!!!! Montinho de amor na mamãe-traquinas!!!

“Sorte deles que as vassouras ficam na área de serviço!”, penso.

- Seus filhotes, de cruz-credo! Já não basta eu ter carregado vocês por nove meses? Vocês ainda querem se amontoar ainda mais?

Não sei quem foi o infeliz que disse que “ser mãe é padecer no paraíso!” (também visto em um dos e-mails que vi no trabalho).

Mas logo o desconforto do peso de todos aqueles marmanjos é deferido pelo calor do carinho, cada um escorrega e, aos poucos, o poleiro fica organizado. (Nessas horas teria sido prudente ser pouquinho menos “mão-de-vaca” e comprado a tal da “king-size”).

Depois dizem que a racionalidade nos distingue dos animais selvagem... A cena de uma matilha de lobinhos encostada na matriarca não deixa de refletir na minha cabeça toda vez que tiro os olhos da TV e fito os cruz-credo já calados e acomodados.

Pouco tempo se passa e já começam a debandar. Um beijinho de boa-noite aqui, uma tchauzinho da porta e a paz já volta a reinar no meu ninho do descanso.

Noite fria, noite quente. Chuva, sereno. Granizo muito raramente. Não importa. Paulatinamente às 5 da matina toca o despertador. Levanto, espreguiço-me e vou à caça. A prole é grande e tem de ser alimentada. Ainda não estão com idade para prover seu próprio alimento. (Um talvez, mas sou boazinha... Alimentarei enquanto for uma cria legal).

Camuflo-me. Munida de minha arma, saio à espreita da vítima que servirá de energia matinal para a prole. Ando por um tempo até sentir um odor diferente no ar... É ao mesmo tempo quente e atraente. Passo pelos campos de trigo. O calor e o cheiro se tornam mais fortes e próximos, agora, misturados com o odor de gordurinha animal salgada.

Foco-me e lembro de que não sou apenas eu, preciso prover a todos:

- Dez pães, por favor! Dez!

Saco a arma: “Crédito, Dona Joana; este mês está complicado”.

De volta à toca, já estão todos no aguardo do abate da manhã. Um deles até tenta reclamar da “pobreza da caça”... Nada que meu olhar fixo e compenetrante não resolva. O bichinho só abaixa a cabeça e começa a trucidar. Sinto vontade de rir.

- Agora vão estudar! O que já foi difícil para mim fica cada vez mais para vocês! Empenhem-se!

E, por oito horas, me vejo livre das pestinhas... Mas, atormentada pelos “pestões” e afins. Correria de trabalho, projetos e prazos se aliam e conspiram para que o que parecia um alívio se tornar uma saudade incontrolável.
“Vou ligar”, pondero. “Mas não atenderão – estão na escola, os proibi de levar o celular para lá”. Vou aguardar até a hora do almoço. As 2 horas restantes demoram mais do que os dois anos que fiquei na expectativa para atingir a maioridade e poder sair de casa.

“Finalmente!”. Ao fim do telefonema repenso o anseio que tive em ligar. Notas baixas “na área”. Vão precisar de reforço. Encrenca na escola. Diretora quer falar-me. Um quer crescer antes da hora, outro parece não crescer. Já o outro, parece que em algumas horas chega a regredir...

É complicado segurar a angústia. Se não bastasse, pepino de última hora para resolver. Chefe intransigente e equipe displicente agravam a tensão. Quero fugir para uma ilha deserta!!

Chego em casa dez quilos mais pesada. Não por ter comido demais. Pelo contrário, perdi o horário do almoço para falar com os pequenos não tão pequenos. (Mas foi até bom, estou em dieta). Penso se é hora de chorar. Entro calada. Preciso mostrar-me inabalável. Sou a chefe da matilha. Eles se espelham em mim. Preciso trabalhar com parcimônia a aprendizagem do grupo quanto ao mundo selvagem lá de fora.

Quando menos espero, o silêncio que tomava a toca é quebrado por passos apressados – quase uma corrida. Se não conhecesse o território pensaria ser um estouro de animais furiosos. Vêm todos os filhotes. Se jogam para cima da velha loba. Abraços, beijos:

- “Free hugs” da mamãe!! Abraço coletivo na mamãe-traquinas!!! Êêêêê!!! Te amamos “mamitcha”!!!

E, por instantes, todos os problemas parecem se esvair. Logo, com a mesma intensidade e rapidez que o alvoroço se iniciou ele se desfaz. Cada um toma seu rumo e os respectivos afazeres voltam a ser feitos. Em alguns momentos gostaria poder fazê-los por eles. Em outros, retomo a realidade e entendo que deve ser assim, e, provavelmente, com todo mundo assim também o é.

Vou ao abatedor da toca, começo a preparar o abate do fim da tarde. Sento e respiro fundo, ainda atormentada, agora, pelas obrigações do trabalho. Neste momento, sou surpreendida por um deles.

Ele fita-me os olhos e pergunta se está tudo bem. Penso em milhões de respostas, mas nenhuma sai. Ele deixa a cozinha. Sinto-me abandonada e questiono o reconhecimento que me concedem como provedora. Mas, inesperadamente, aquele que havia saído logo volta. Acompanhando-o todos os outros. Um por um me beijam, olham-me nos olhos, me abraçam e dizem que, apesar de filhotes, estão ali para o que der e vier.

- Daremos o melhor nós para não te decepcionarmos, mamãe-traquinas!

É... Quem foi mesmo que disse que “ser mãe é padecer no paraíso”? Pelo jeito, eu achei o meu.